terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O celular, a radiação e a sua saúde

Hoje vamos abordar um tema bastante controverso, pois depois de um alerta feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre possíveis riscos que o uso do celular pode trazer, surgiram pesquisas na literatura que afirmam e desmentem este alerta.

A suposição da interferência eletromagnética do celular com a frequência cerebral predispor ao câncer, é de difícil conclusão, pois decorrem décadas de exposição para que os efeitos ocorram. Nesta publicação vamos discutir primeiramente as propriedades físicas envolvidas na radiação eletromagnética emitida pelo celular, depois os efeitos envolvidos e uma síntese de alguns estudos sobre o tema.

Há 10 anos aproximadamente, os aparelhos celulares tornaram-se mais acessíveis, mas hoje vemos um verdadeiro BOOM de celular (assim como outros eletrônicos) que podem ser comprados muito facilmente. A questão é, o uso exacerbado que temos hoje desses aparelhos, pode nos prejudicar daqui a 10, 15 anos?

Além da relação com tumor cerebral, outros problemas apontados são perda de memória e esterilidade. Mas como foi dito, da mesma forma que alguns trabalhos colocam o celular como vilão, outros autores além de negarem esta especulação, mostram ao contrário, que o celular pode ser uma fonte de prevenção e retardo da perda de memória em pacientes com Alzheimer, como mostrado um estudo que foi publicado na Journal of Alzheimer´s Disease
Mas será que de fato existem propriedades físicas envolvidas para tais argumentos, o que de fato pode levar a tais investigações?

Primeiramente, devemos entender como se dá o funcionamento do celular, como a informação é transmitida. A camada física do sistema celular é essencialmente uma ligação duplex, ou seja, dois sentidos: via rádio entre um usuário móvel que carrega um terminal portátil e uma estação fixa a estação rádio-base (ERB). Assim como qualquer aparelho eletrônico movido sem fio, são utilizadas as ondas de rádio para sua transmissão, as radiofrequências:
Figura 1. Diagrama ilustrando o espectro magnético desde as ondas de rádio até aos raios gama.
Conforme a figura acima, abrangendo o intervalo entre 104 e 108 Hz. Entretanto, a questão é: será que você sabe o que são ondas de rádio?

Ondas de rádio são radiações eletromagnéticas de radiofrequência e se encaixam no grupo de radiações não ionizantes (não possuem a capacidade de retirar o elétron de seu átomo), pois são de baixa frequência, (para o melhor entendimento desta questão, sugiro que leia o post de mecânica quântica onde falo sobre radiações). Do ponto de vista da física de partículas são fótons de baixa energia. As ondas de rádio são produzidas por correntes elétricas macroscópicas oscilando em antenas de transmissão de rádio e a frequência da onda emitida é igual à frequência de oscilação de cargas.
  • Para tratarmos as ondas de rádio não há necessidade de termos uma visão quântica do processo, pois a eletrodinâmica clássica explica de maneira precisa os fenômenos das ondas encontradas nessa faixa de frequência, uma vez que a emissão das ondas nessa frequência forma um espectro contínuo (ondas geradas por cargas elétricas sofrendo aceleração). Embora saibamos que essas ondas são fótons, vamos tratá-las como sendo puramente campos elétricos e magnéticos caminhando perpendicularmente através do espaço.
Até então, isto não gera problema algum, pois as ondas de rádio estão o tempo todo interagindo conosco, desde as ondas de rádio emitidas pelas antenas dos celulares, ondas de rádio AM e FM, até as ondas de Rádio vindas do espaço, a radiação cósmica de fundo que são resquícios do Big Bang e não são nocivas ao homem, com tanto que sejam ondas emitidas de distâncias relativamente grandes, ao contrário de uma antena de transmissão do lado de sua janela. Isso é facilmente justificado, basta lembrarmos como se calcula a intensidade das ondas,
                                   I =P/A                                                     (1)

onde P é a potência da onda emitida, watts (W), e A é a área na qual a onda interage, para o caso de torres de emissão usamos A=4πr2  que é igual a área da calota esférica pela qual a onda se propagou.

Justificando-se por essa equação, medidas da intensidade (densidade de potência) entre 20 e 80 m afastado da torre de transmissão foram feitas. O valor máximo encontrado para essas distâncias foi de aproximadamente 0,02 W/m2, que é um valor muito inferior ao adotado pela comissão ICNIPR (The International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection.) e pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) de 4,35 W/m2, que é uma intensidade considerada segura para exposição humana.

Entretanto, a uma distância de 1,0 m da antena o valor encontrado foi de 20,0 W/m2 (se quisermos obter os valores teóricos para a densidade de potência de antenas devemos usar a área efetiva da antena da torre, que difere do cálculo direto de (1)), mostrando, então o quão perigoso pode ser ficarmos muito próximos das antenas.


Figura 2.

Para distâncias grandes, então, o que temos, em maior parte, são ondas refletidas pelo corpo, do ponto de vista quântico da interação da matéria com a radiação, podemos tomar como exemplo, para explicar essa reflexão, o efeito Thompson, onde temos um fóton com baixa energia interagindo com os elétrons de nosso átomo como quase uma colisão elástica, ou seja, a energia do fóton emitido é praticamente a mesma do fóton refletido sem que aja o fenômeno de mudança dos níveis eletrônicos do elétron ou dos níveis vibracionais de nossas moléculas.
Como eu lhes disse, a maior parte é refletida, mas uma pequena parte é absorvida pelo corpo e os efeitos biológicos, vistos de uma maneira macroscópica, dão-se pelo efeito térmico que surge como resultado da absorção do campo eletromagnético. À parte da potência que penetra dissipa-se rapidamente com a profundidade, tal absorção é devida, principalmente ao movimento dos dipolos de água e de íons dissolvidos, mas para as ondas de rádio a absorção é mínima.
O corpo humano absorve com maior eficiência a energia dos campos eletromagnéticos (CEM) de frequências acima de 100 kHz, podendo ocorrer queimaduras ou catarata (para os casos, por exemplo, a um metro de distância da antena). É comum a sensação de aquecimento da orelha durante as chamadas prolongadas ao celular. O aumento de temperatura no tecido cerebral pelo uso de celulares não ultrapassa 0,1 °C, tornando improvável a ocorrência de efeitos térmicos no sistema nervoso central (SNC) nessa situação.
Então onde poderá estar o problema? O que foi dito até agora, foi apenas um sentido do caminho que as ondas seguem, base-celular, mas existe o caminho inverso celular-base e este é o que pode se tornar o mais nocivo à saúde.

Embora, a potência média dos telefones celulares seja em torno de 0,6 W a proximidade das ondas emitidas do telefone do nosso cérebro tem em média 2,0cm que é muito próximo. 

O principal efeito físico envolvido em uma ligação é devido à Lei de indução de Faraday, que explicarei melhor agora.

O que a lei de indução de Faraday diz é que a força eletromotriz (fem), ε, induzida é proporcional à taxa de variação do fluxo magnético, ɸ, e matematicamente é expressa por:                                                                                                                 (2)

 
Observe que esse é o princípio envolvido em geradores para produzirmos energia elétrica, como exemplo pode imaginar uma espira de algum material condutor colocado entre dois imãs. Ao girarmos a espira, trabalho que pode ser realizado através da energia mecânica de uma queda d’ água, o fluxo magnético, ou seja, a quantidade de linhas de campo passando, atravessando a espira, esquematizado nas figuras, irá variar com o tempo e isso levará a uma produção de uma fem induzida. Isto produzirá uma corrente elétrica alternada no material, levando eletricidade para nossas casas.
(A)

(B)
Figura 3 (A: Ilustração de onde os campos magnéticos são gerados para que possam atravessar a espira, este esquema não condiz com a realidade, pois não são encontrados na natureza monopólios magnéticos, ou seja, um imã formado por apenas polo sul ou norte. Figura 3 (B): ilustração de como seriam as linhas de campo atravessando a espira.  No referencial dele, são as linhas de campo que variam e não ele quem gira, promovendo a variação do fluxo magnético.
Bom, você deve estar se perguntando, mas o que o celular tem a ver com isto?
O celular por ser também um produtor de ondas eletromagnéticas, gera um campo magnético oscilante nas proximidades de nossa cabeça, mais especificamente no lobo temporal, área do cérebro relacionada com a memória. Podemos ver de acordo com o que foi mostrado, que correntes elétricas poderão formar-se nessa região. Essas correntes formadas são correntes circulantes, ou seja, nascem e terminam em um mesmo ponto e são denominadas correntes parasitas.


Figura 4
Com isso encerramos os princípios físicos que podem estar envolvidos nos aparelhos. Vou agora mostrar alguns resumos de artigos envolvendo os possíveis efeitos nocivos do celular, mas antes disso quero deixar uma dica para o uso do celular: tente evitar falar com ele muito próximo de seu rosto, e o cuidado deve ser redobrado com as crianças, tente usar mais viva voz e fone de ouvido. É apenas uma dica, é uma escolha de vocês aderirem ou não, tudo isso no futuro talvez não passe de algo irrelevante e não seja nocivo ao homem, mas pense nisso, e se for? Estamos vivendo em uma época que a poluição eletromagnética está em alta, algo que o homem ao longo de sua evolução nunca experimentou, principalmente com os emissores chamados wireless, o qual nas proximidades de sua fonte geram altos campos elétricos e magnéticos e muitas vezes ficam ao lado de nossas camas.
·         O que é SAR? SAR significa Specific Absorption Rate (taxa de absorção específica), que é a unidade de medição do nível de energia RF absorvida pelo corpo no momento de uso do telefone celular. O SAR é determinado, em laboratório, no nível de potência máximo dos aparelhos; na verdade, o nível real do SAR, no ato da utilização do telefone celular, pode ficar bem abaixo deste valor. Isto acontece porque o telefone é elaborado de forma a utilizar a mínima potência necessária, apenas o suficiente para que se comunique com a rede. Assim, quanto mais próximo você estiver de uma estação rádio-base (ERB), menor será a taxa de absorção específica (SAR).

Manuais de alguns aparelhos alertam sobre manter certa distância entre o celular e a cabeça, mas apenas pelo fato de os fabricantes acreditarem existir uma interferência provocada pelo aparelho na frequência do cérebro, pois não havia evidências conclusivas até então do quanto tal exposição pode ser prejudicial.

Por exemplo, o manual de segurança do iPhone 4, da Apple, recomenda usá-lo a pelo menos 15mm do cérebro durante a ligação. Já no manual do Blackberry Bold essa distância aumenta para 25mm. Uma alternativa seria que os usuários adotassem os fones de ouvido, inclusos no aparelho.

Foi então que uma pesquisa foi publicada pelo National Institute of Health dos EUA, um dos estudos pioneiros e mais competentes a despeito do tema em questão. Neste estudo, evidenciou-se que o cérebro sofre sim influência dos CEM emitidos pelos aparelhos celulares. No estudo, foi comprovado que uma hora de exposição pode aumentar até em 7% a atividade cerebral. Mas, antes de ir adiante sobre como funciona esta interferência eletromagnética do celular no nosso cérebro, vou explicar um pouco como sobre como foram identificadas as ondas cerebrais.

A descoberta das ondas cerebrais

"Se a estimulação elétrica do córtex é capaz de produzir movimentos e sensações, deveria ser possível registrar correntes elétricas nas porções do cérebro ativas durante essas funções". Essa localização das correntes, serviria para identificar as regiões cerebrais envolvidas.
 Figura 5. Hans Berger

Entre 1875 e 1890, um fisiologista inglês, Richard Caton, e um cientista polonês, Adolf Beck, observaram através de experimentos que havia diferença de voltagem entre dois pontos no córtex, mesmo na ausência de estímulos sensoriais havia uma oscilação espontânea. Mas, estranhamente esta oscilação desaparecia quando os sentidos eram estimulados, o que  era ruim para fins localizacionistas.
Ao tomar conhecimento das oscilações elétricas espontâneas no cérebro pela leitura dos trabalhos de Caton e Beck, o alemão Hans Berger (1873-1941) , na década de 1920, estudando as variações na corrente elétrica detectada no couro cabeludo humano, descobriu os primeiros sinais de encarnação da mente: ondas cerebrais de 10 ciclos por segundo, que ele chamou de "alfa", e que davam lugar a ondas menores e mais rápidas, "beta", quando seus voluntários eram estimulados sensorialmente., concentravam-se ou faziam cálculos mentais.
A princípio Berger foi motivo de escárnio, pois as linhas em ziguezague do eletroencefalograma eram consideradas mero artefato, mas depois ele começou a atrair atenção de neurofisiologistas, quando sua descoberta foi comprovada em 1934 pelo prêmio Nobel Lord Edgar Adrian. Com o aval de Adrian, o eletroencefalograma rapidamente entrou pela porta da frente em vários laboratórios europeus e norte-americanos. A aplicação experimental e clínica do eletroencefalograma, após 5 anos, levou a descoberta de outras ondas cerebrais, sempre associadas a diferentes estados mentais. Em 1936 foram descobertas as ondas "delta", lentas (1 a 4 ciclos por segundo) e de amplitude duas a três vezes maior que a das ondas alfa. Estas ondas foram descobertas sobre lesões cerebrais (a letra D do alfabeto grego faz referência ao d de doença, degeneração e morte - death - do tecido cerebral).

Essas ondas têm, portanto, grande valor diagnóstico na clínica, possibilitando a localização de abscessos e tumores. Essas mesmas ondas delta também são encontradas durante o sono profundo.
Figura 6.

O eletroencefalograma é, sem dúvida, um dos exames de grande valor diagnóstico para a neurologia. Alterações nos padrões das ondas acima citadas, quando a pessoa está em diferentes fases do sono e em vigília (acordada) podem mostrar desde distúrbios do sono, como epilepsias e até tumores.

Quando a OMS publicou seu estudo, que avaliou 14 mil pessoas em 13 países por anos, os resultados foram inconclusivos, porém mostram sim uma relação entre o uso do celular e alguns tipos de tumores cerebrais.

Neste estudo, por exemplo, entre os resultados constava que no grupo das pessoas que usaram o celular durante meia hora todo dia durante 10 anos, havia 15% mais casos de glioma e 27% mais de meningioma (dois tipos de câncer cerebral).

Ainda com estes resultados, um dos autores da pesquisa, Daniel Krewski da Universidade de Ottawa, afirma possibilidade de distorção do resultado, uma vez que as pessoas portadoras de tumor podem ter relatado um tempo maior que o uso real e que o número de pessoas avaliadas foi pequeno para tirar conclusões mais sólidas.

Já outros cientistas como o oncologista Lennart Hardell, da Universidade de Orebro na Suécia, aceitam como afirmativo o estudo da OMS e de outros grupos, de que o celular aumenta sim o risco para câncer cerebral. Outras pesquisas serão realizadas, uma delas envolverá 350 mil usuários de celular e só será concluído daqui a 20 anos. Você vai esperar para ver ou vai usar fones de ouvido??

Desde o alerta da OMS, outros estudos sobre o tema continuaram sendo realizados, e alguns deles desmentindo a possibilidade de tumor cerebral "provocado" pelo uso do celular. Eis um destes estudos:

Publicado pelo American Journal of Epidemiology, a pesquisa apontou que o uso contínuo e prolongado não aumenta o risco para um tumor do nervo auditivo (neuroma acústico). Segundo Joachim Shuz, coordenador do estudo e membro da Agência para Pesquisa sobre Câncer na OMS, esse tumor cresce na área do cérebro que absorve a maior parte da energia emitida pelos celulares. Desta forma, esperava-se que o uso dos celulares aumentasse a incidência de neuroma do acústico nas pessoas que se submeteram à pesquisa, o que não aconteceu.

Este estudo, assim como outros, mostra apenas uma correlação entre celulares e tumores no cérebro, mas nenhum comprova o risco para câncer, de fato. Como foi dito no início, a exposição a este tipo de radiação e os efeitos que ela pode causar levam anos, e o crescimento dos tumores também ocorre de forma lenta e pode demorar mais ainda para que a sintomatologia possa ser associada a um tumor.

Mas pensem a respeito sobre a forma como usam seus aparelhos, ainda mais com os planos com cada vez mais minutos para você falar. O melhor mesmo é pensar em aderir aos fones de ouvido.

Bibliografia:
1. Neurociência da mente e do comportamento. ROBERTO LENT
2. Journal of Alzheimer Disease - http://www.j-alz.com/
3. Artigo publicado na Revista Brasileira de Medicina: Controvérsias & Interfaces Efeitos da exposição aos campos eletromagnéticos do telefone celular - Aracy P. S. Balbani e Alberto L. Krawczyk

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