segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Dor


Resolvi escrever sobre dor, pois sendo estudante de medicina e observando muitas queixas de pacientes, e mesmo por ver pessoas próximas que usam analgésicos indiscriminadamente, julguei importante que todos conheçam mais sobre este assunto. A dor é um fenômeno universal, vivenciado em todas as faixas etárias, níveis socioeconômicos e em todas as situações e ambientes. Sendo assim, vejo de grande importância este tema, pois a dor, quando muito intensa, debilita a pessoa, limita sua vida atrapalhando em vários setores e, muitas vezes, pode levar à depressão, quando então o desespero é tão grande que numa tentativa de eliminar a dor este paciente põe em risco a própria vida.
Quero deixar claro, antes de introduzir o tema, que este texto foi produzido sob uma perspectiva minha, sobre como a Medicina deve ser mais humanizada e priorizando em relação a este aspecto, o tratamento da dor. O conteúdo desta publicação tem como base artigos científicos, estudos em centros especializados, entre outras publicações científicas.
Este post está dividido em partes de forma a expor de forma mais clara e didática cada aspecto abordado sobre o tema.
- Breve histórico da dor;
- O que é a dor? Definições e classificação;
- Anatomia e fisiopatologia da dor;
- Fenômeno doloroso;
- A dor como quinto sinal vital;
- Referências bibliográficas pesquisadas.

Um pouco sobre a história da dor:
Para quem gosta de história, este trecho é muito interessante. Semestre passado, fiz um curso com um grande mestre, Prof. Nader Wafae, na minha faculdade sobre História da Medicina e através deste curso pude perceber a importância que tem sabermos contextos históricos para entendermos as culturas dos antigos povos e respeitarmos as diferenças culturais entre as populações atuais. Portanto, quando eu escrever sobre determinados temas, julgo de alta relevância fazer um parênteses sobre a história. Encontrei um trabalho sobre história da dor muito bom mesmo, mas para não me estender muito, segue apenas o trecho abaixo:
"No Antigo Egito, nos povos pré-colombianos, assim como em outras civilizações, a dor era interpretada de forma mística. Para estes povos, ter dor significava a presença de espíritos malignos no corpo, que entravam pelas orelhas ou narinas.
Já na antiga China, o Imperador Shen Nung (2800 a.C.) era grande conhecedor do uso medicinal de ervas e no tratamento da dor. A farmacopéia chinesa incluía efedrina, ginseng (usado como calmante), "willow plant", que contém ácido salicílico (útil na dor reumática), e a "wort" siberiana (antiespasmódico utilizado no alívio às lombalgias). Duzentos anos mais tarde, Huang Ti (2600 a.C.) descreveu a acupuntura no tratamento da dor, cujo objetivo era o de corrigir o desequilíbrio do yin yang através da inserção de agulhas em meridianos do corpo.
Mas, foi com a Grécia clássica que os primeiros passos na busca por uma explicação racional da dor ocorreu. Hipócrates de Cós rejeitou as teorias mágicas e religiosas, então em voga, e pautou-se na observação clínica de que as enfermidades eram desvios dos processos naturais por alterações dos "humores" do organismo, cabendo ao médico restaurar o equilíbrio dos mesmos. Hipócrates foi pioneiro em recomendar técnicas de resfriamento e fisioterapia para alívio da dor, introduzir o ópio (base, ainda hoje, dos principais medicamentos que aliviam a dor) e conseguir a supressão da dor cirúrgica por meio de um sistema primitivo de anestesia, através de compressão das carótidas.
Já nessa época a frustração de se lidar com dor prolongada e incurável foi narrada para a posteridade entre 100 e 200 d.C. pelo médico e filósofo Areteo de Capadócia, que dizia que os médicos deveriam usar compaixão ao cuidarem de um portador de doença grave irreversível
A medicina de Galeno influenciou todo o mundo antigo até dois séculos depois de Cristo. Em mais de 500 escritos ele conciliou tendências antes separadas ou em conflito, aliou Medicina e Filosofia, Anatomia e Fisiologia, estabeleceu diferenças entre tipos de nervos ("cordas de harpa"), atribuiu a dor neuropática à "tensão" e a sua sensação advinda de toda extensão do nervo quando este "se rompia", e classificou as diferentes formas".
Para quem ainda não leu a publicação do Léo, sobre Ayurveda, indico a leitura pois um dos meus próximos textos vai ser sobre medicina oriental, a visão ocidental da acupuntura).
Agora falando um pouco mais da dor na história atual, através de uma aula em multimídia do Dr. Jaime Olavo Marquez, tive acesso a importantes dados que me fizeram compreender melhor como, no decorrer de anos, fatores diversos predispõem pessoas a sentirem dor. O que é colocado como fator determinante para o aumento de pessoas com dor é o aumento da sobrevida geral.
Em 2009, um estudo realizado nos EUA apontou que 12% da população apresentava idade superior a 65 anos (maior que a população atual de adolescentes). Pode então, o leitor neste dado entender como é que o aumento da expectativa relaciona-se diretamente com maior incidência de doenças. Já parou para pensar sobre a qualidade de vida que se tem hoje, e como isso se refletirá daqui a 20, 30 anos?
Para visualizar o aumento da duração da vida média da população no Brasil, seguem alguns números:
Ano
Média da duração da vida
1900
33,7 anos
1940
38,5 anos
1990
66,3 anos
2010
70,6 anos

Com as pessoas vivendo mais, ficam sujeitas a várias doenças e a exposição de vários fatores que podem levar ao aparecimento da dor crônica.
O segundo fator que levou a maior prevalência dos casos de dor, foi o aumento da sobrevida com relação aos traumas, como por exemplo, os acidentes de trânsito:
Um levantamento feito na Inglaterra, mostrou que em 1930, ocorreram 4% de óbitos por acidente de trânsito e em 1990, este número caiu para 1,6%. Agora, tente imaginar em uma cidade como São Paulo, quantos acidentes ocorrem anualmente, em que principalmente motoqueiros, pois estão fisicamente mais expostos, não tenho estes dados estatísticos, mas podemos imaginar quantos desses acidentes envolvem vários tipos de lesões e fraturas, cujas consequências perduram por anos.
Outro exemplo de aumento da sobrevida com relação aos traumas, são as guerras mundiais:
1° Guerra
2° Guerra
234.300 feridos
572.027 feridos
14.500 óbitos
25.493 óbitos
(6,3%)
(4,5%)
Nesta tabela acima, podemos observar que, embora na 2° GM o número de feridos tenha aumentado para mais que o dobro, a relação proporcional quanto aos óbitos diminuiu bem, podemos assim concluir também como os sobreviventes de guerra aumentam a parcela de população com dor pós-traumas. Ressaltando que, ainda hoje as intermináveis guerras continuam fazendo muitos feridos, inclusive as guerras civis.
Um terceiro exemplo, deve-se ao aumento da sobrevida em relação às doenças.
Câncer - A dor oncológica
16 milhões de novos pacientes/ano com câncerà 8 milhões de óbitos
Desses pacientes, 70% sofrem de dor.

Dados recentes da OMS indicam que 50 a 80% desses pacientes com dor ficam sem tratamento adequado e estima-se que mais de 90%, se tratados corretamente, terão a dor controlada. O que mostra o quanto a dor ainda é subtratada. Estes importantes dados demonstram a importância de cursos de educação em saúde para uma melhor assistência aos pacientes portadores de dor crônica.
Podemos portanto, concluir que com o aumento da sobrevida em relação a faixa etária da população, o aumento da sobrevida com relação aos traumas e o aumento da sobrevida com relação às doenças determinam o aumento muito grande de sequelas dolorosas.
O que é a dor? Definições e classificação:

Estamos diante de uma era onde a Medicina mostra-se cada vez mais promissora e revolucionária. Mas diante de tanta tecnologia, a dor perde espaço, e o que vemos é que em pleno super-desenvolvimento tecnológico e farmacológico, a maior queixa dos pacientes, e a que os leva ao consultório e aos postos de atendimento emergencial, é a dor.
A dor é definida pela Sociedade Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como "experiência sensitiva emocional desagradável relacionada a lesão tecidual ou descrita em tais termos".
"Dor é o que o paciente diz ser e existe quando ele diz existir" McCaffery, M. 1983 (Lippincott Nursing Series)

Dor crônica: "Dor que se mantém após curada a lesão inicial. Existe um modelo biopsicossocial, implicando em diferenças genéticas. Não existe terapia de alívio universal, senão o sono." J. Loeses. Washington, 2000
Para ficar bem claro para o leitor leigo, vou tentar resumir os tipos de dor, e como se classificam.
São dois os tipos principais da dor: dor rápida e dor lenta. Pelo nome, já podemos deduzir que a dor rápida é aquela que sentimos logo após o estímulo, para ser mais exata, até 0,1s depois. Já a dor lenta é percebida após 1 s do estímulo, e pode progredir gradual e lentamente. Esses tipos principais também são conhecidos por outros nomes, sendo que a dor rápida é designada também como dor aguda, em agulhada, e a lenta, dor pulsátil, crônica, ou em queimação.

Neuroanatomia e fisiopatologia
Para melhor entendimento, vou introduzir muito brevemente um pouco sobre neuroanatomia, pois para que você entenda melhor como a dor chega ao cérebro, quando você a percebe e reage ao estímulo doloroso, alguns conceitos básicos devem ser esclarecidos.
Temos em nosso corpo, receptores que são chamados terminações nervosas livres, que estão presentes na pele e em outros tecidos. A dor pode ser desencadeada por vários tipos de estímulos, que são basicamente estímulos dolorosos mecânicos, térmicos e químicos. A dor rápida é em geral desencadeada principalmente por estímulos mecânicos e térmicos, enquanto que a dor crônica pode ser desencadeada pelos três. Algumas substâncias presentes no corpo, em determinadas situações podem estimular o tipo químico de dor, como a bradicinina, serotonina, histamina, íons potássio, ácidos. Algumas dessas substâncias são recrutadas no processo inflamatório (bradicinina e histamina), ou na fadiga muscular (isquemia tecidual), no caso do ácido lático. O estímulo que provoca a dor é geralmente intenso e pode causar destruição ou dano no tecido. As respostas neuronais são mediadas por fibras chamadas A-δ e C que entram na medula espinal. Abaixo está uma foto do cérebro em que se pode ver facilmente o tronco cerebral e o cerebelo.
O tronco cerebral (composto pelo bulbo e ponte) continua a comunicação entre cérebro e medula espinal, que pode-se dizer que é um cilindro fino de diâmetro com menos de uma polegada. A medula divide-se em 5 regiões (cervical, torácica, lombar, sacral e coccígea). Os nervos são ligados aos pares na medula, ao longo de toda a coluna, e é através destes nervos que percebemos os estímulos externos (pois estes são os nervos que se comunicam através de receptores na pele e nos órgãos ou vísceras) que são traduzidos no cérebro e o qual responde ao estímulo segundo a circunstância.

Fenômeno doloroso
Ao lado dos aspectos anatômicos e bioquímicos, existem também os aspectos emocionais no fenômeno doloroso. A quantidade e a qualidade da dor variam de pessoa para pessoa e dependem de alguns fatores pré-determinados.
Um desses fatores é o entendimento da situação. Sabe-se que 4/5 dos civis necessitam de sedação, contra apenas 1/3 dos soldados. Isto acontece porque os soldados entendem a situação em que foram feridos, e estão preparados para isso.
A experiência prévia é outro fator determinante que pode ajudar ou piorar a sensação dolorosa. Por exemplo, pessoas queimadas por bombas na guerra do Vietnã, necessitavam progressivamente cada vez menos de analgesia para realização dos curativos. Mas quando a experiência dolorosa prévia torna-se traumática, ela aumenta o fenômeno doloroso.
Ainda temos como exemplo para a modulação emocional da percepção dolorosa, o fator cultural. A cultura é capaz de dominar de certa forma a sensação de dor fazendo com que a pessoa aguente o estímulo de dor impassível. A atenção, ansiedade e distração também influem na percepção da dor.
Por exemplo, o ritual das formigas tucandeiras, onde índios da tribo sataré-mawé tem que colocar a mão e serem picados pelas formigas demonstrando que o pequeno índio agora é homem.

Outro exemplo de como o fator cultural influencia na percepção dolorosa é uma atividade comumente  praticada por gurus indianos, em que suas costas são perfuradas por ganchos e depois são erguidos para abençoar as pessoas que os estão assistindo.
O sentimento de controle sobre a dor
Pode-se afirmar então que a dor não depende apenas da natureza e da intensidade do estímulo mas que também é influenciada por fatores psicossocias e neurosensoriais. A dor sofre uma modulação no SNC, a interação dos estímulos nociceptivos com os fatores moduladores resulta na experiência neurosensorial da dor.

5° Sinal Vital

Em 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS), propôs uma metodologia na avaliação e tratamento da dor, embasado na necessidade de implementar registros em instituições de saúde. Foi proposto também que o controle da dor deveria ser incorporado pelos profissionais da saúde na rotina de verificação dos sinais vitais (pressão arterial, temperatura, frequências cardíaca e respiratória) sendo assim, a dor foi classificada como quinto sinal vital, no entanto a dor continua sendo um sintoma, pois só pode ser medida pelo relato do paciente. Esta classificação como sinal visa elevar a importância da dor, o que gera estatísticas para que ela receba mais atenção. Acontece que muitos médicos e outros profissionais da saúde ainda acreditam que a dor relatada pelos pacientes é de origem psicogênica. Esta mentalidade deveria mudar, pois foi comprovado através de estudo realizado pelo HC da USP que 99% dos casos de dor que foram pesquisados, têm origem orgânica.

Esta é uma triste realidade que mostra certa irresponsabilidade e descaso por parte dos profissionais de saúde em geral. Aqui no Brasil a dor é o motivo que mais levas pessoas ao consultório. Nos EUA, a primeira causa são infecções respiratórias, a dor vem em segundo lugar.
Este mesmo estudo também mostrou outras estatísticas importantes, onde 30% dos médicos brasileiros acham que as dores crônicas são psicogênicas e, pior que isso, 20% deles também acredita que as dores agudas são imaginárias.

Uma vez que foi demonstrado em estudos que a dor prejudica ou inviabiliza o tratamento e adia a cura, obter registros do curso da dor nos pacientes torna-se uma medida muito importante. O tratamento de doenças infecciosas, inflamatórias ou do câncer evolui melhor sem dor, pois ela reduz a resposta do sistema imunológico. Mas como isso ocorre? Bem, ainda não encontrei uma resposta objetiva para esta minha dúvida, sobre como a dor pode influenciar na resposta a tratamentos. Mas, segundo o artigo do Dr. Régis Cavini Ferreira, o estresse agudo é imunoestimulante, ou seja estimula nossa defesa contra infecções através da produção de hormônios como adrenalina e outros, mas também aumenta a produção de cortisol, que diminui a defesa do nosso corpo. E não somente isso, o estresse crônico se caracteriza uma elevação crônica do cortisol, ou seja...diminui nossas defesas a longo prazo.
Sendo assim, pelo fato de a dor crônica elevar o estresse psicológico do paciente, suponho que, este estresse resultante da dor eleva os níveis de cortisol no sangue, pelo cortisol ser imunossupressor, a dificuldade ou prejuízo da resposta imunológica estaria bem explicada. Interessante, não?
  • O estresse: a compreensão de como o estresse diário pode mesmo prejudicar nossa saúde é difícil para a maioria das pessoas, aparentemente terminamos um dia estressante com dor de cabeça ou dor nas costas, mas não é só isso que acontece. A palavra estresse foi inicialmente criada na física para traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço, mas em 1936 ela foi introduzida por Hans Selye como forma de expressar o esforço de adaptação das pessoas diante de determinadas situações que o organismo perceba como ameaçadoras. Diante de situações tristes, ameaçadoras, preocupantes, nosso cérebro nos prepara para a situação ativando o sistema nervoso simpático, o que também será melhor explicado numa publicação futura.
Referência bibliográficas:
1 – Elementos fundamentais de neuroanatomia e neurofisiologia, Gilman S.; Winans S.. S.;
2 – Tratado de fisiologia médica, Guyton e Hall;
3 – Capacitação em dor, Marquez, J.O.; Macêdo, D. D. P.; Nascimento, O. J. M.(SBED);
4 – Dor 5° Sinal Vital: reflexões e intervenções de enfermagem / Organizadoras Lucimara Duarte Chaves; Eliseth Ribeiro Leão. 2.ed. revista e ampliada – São Paulo: Livraria Martinari;
5 – A dor: uma experiência na história, Karklis, I. P.; Ferreira, R. C.
6 – Quem ama não adoece, Silva, M.A.D., 37° ed. – Rio de Janeiro: Best Seller, 2006.
7- Imagens do Atlas Fotográfico – Anatomia Humana, Rohen, Yokoshi e Drecoll, e do Anatomia Orientada para clínica, Moore, Dalley.

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