domingo, 31 de julho de 2011

Pais e filhos: diálogo de Sócrates

Aproveitando o tema Relacionamentos da minha última postagem, vou compartilhar com vocês um capítulo do livro do Sócrates, em que este conversa com seu filho mais velho ao vê-lo discutir muito com a mãe. Acredito que este texto mude a perspectiva de muitas pessoas sobre como melhorar nosso relacionamento com nossos pais, diante das circunstâncias em que vivemos, onde algumas vezes não demonstramos como deveríamos nossa gratidão, e, ao contrário disso, em ocasiões tolas, discutimos e dizemos inverdades impensadas.
Caso queira saber mais sobre a vida de Sócrates, que hoje para mim é um mestre no qual me inspiro, segue no fim da postagem um breve documentário.

Obs. O contexto do diálogo dá-se aproximadamente em 400 a.C., portanto, cabe ao leitor discernir as diferentes épocas e situações, antes e atualmente.

"Ao notar que Lâmprocles, o mais velho de seus filhos, brigava muito com a mãe:
- Dize-me, filho – indagou-lhe -, sabes haver certos homens que são denominados ingratos?

- Sei – respondeu o jovem.

- Sabes também por que recebem este nome?

- Sim. Denominam-se ingratos aqueles que receberam benefícios e que não demonstram reconhecimento.

- Não sabes que se classificam os ingratos entre os homens injustos?

- Sei.

- Por acaso perguntaste a ti mesmo, se assim como é injusto escravizar os amigos e justo avassalar os inimigos, será injusto ser ingrato para com os amigos e justo sê-lo com os inimigos?

- Naturalmente. E considero injusto quem não se esforça por dar prova de reconhecimento a um benfeitor, seja amigo ou inimigo.

- Pois bem! Se assim é, então a ingratidão é pura injustiça.

Lâmprocles concordou.

- E não será um homens tanto mais injusto quanto mais ingrato se mostrar ao receber mais benefícios?
Ainda uma vez Lâmprocles concordou.

- Pois bem! Quem mais recebe benefícios do que os filhos o recebem dos pais? São os pais que os fazem transitar do nada ao ser, ao espetáculo de tantas maravilhas, à fruição de tantos bens com que nos presentearam os deuses: bens que nos figuram tão preciosos que nosso maior temor é perdê-los. Por isso instituíram as cidades a pena de morte contra os maiores crimes, como o castigo mais tremendo para sustentar a injustiça. Sem dúvida não crerás ser unicamente pelos prazeres do amor que os homens procuram ter filhos, pois as ruas e as casas regurgitam de meios de se satisfazerem. Longe disso, vêem-nos considerar quais as mulheres que nos darão os mais belos filhos, e é a elas que nos unimos para realizar nossa esperança. Então o esposo tem de sua mão aquela que o ajuda a tornar-se pai; acumula previamente para os futuros filhos tudo o que acredita lhes seja útil na vida, fazendo a mais ampla provisão possível. A mulher recebe e carrega esse fardo que a faz pesada e lhe põe os dias em perigo; dá ao filho parte da própria substância; depois, ao término da gestação e de parto repleto de dores, cria-o e desvela-se, sem nenhum intento, sobre um filho que não sabe de quem lhe vêm tais cuidados que nem sequer pode dar a entender o de que necessita, de modo que a mãe procura advinhar o que lhe convém, o que pode agradá-lo, e que ela fomenta dia e noite, ao preço de mil fadigas e sem saber qual será a paga de seus sofrimentos. E não é só o alimento: logo que os julgam em idade de aprender alguma coisa, comunicam-lhes os pais todos os conhecimentos úteis que possam ou os confiam aos cuidados de alguém que julguem mais capazes de ensiná-los, não poupando despesas nem cuidados para que seus filhos se tornem os melhores possíveis.

Ao que redarguiu o jovem:
- Sim, ela fez tudo isso e até mil vezes mais. Contudo, não há quem lhe suporte o mau humor.
Volveu Sócrates:
- Não achas o humor selvagem de uma besta mais insuportável que o de uma mãe?
- Não, pelo menos de mãe igual à minha.
- Terá te mordido ou dado alguma patada, como costumam fazer as bestas?
- Mas, por Zeus! Diz coisas que nem ao preço da vida se quereriam ouvir.
- E tu – disse Sócrates -, quantos dissabores insuportáveis não lhe causaste desde a infância, com palavras ou com atos, de dia ou de noite? Quantas aflições não lhe deram tuas doenças?
- Pelo menos nunca lhe disse nem fiz nada de que ela tivesse de se envergonhar.
- Ser-te-á mais penoso ouvir o que ela diz do que aos comediantes ouvir as injúrias que reciprocamente se prodigalizam nas tragédias?
- Mas, penso, como não julgam aquele que os ofende o faça por mal, nem que aquele que os ameaça os ameace seriamente, facilmente suportam o que lhe dizem.

- E tu, que sabes muito bem que tua mãe, diga-te o que disser, não o diz por mal, mas quereria ver-te feliz como ninguém, te irritas contra ela? Pensas então seja tua mãe para ti uma inimiga?

- Claro que não.

Aí Sócrates:
- Então, esta mãe que te ama, que quando adoeces te dispensa todos os cuidados para devolver-te à saúde, que se desvela para nada te falte, que pede aos deuses que concedam seus benefícios e cumpre os votos que por ti fez, queixas-te de seu mau humor? Quero crer que, se não suportas semelhante mãe, o próprio bem te é insuportável. Mas dize-me, achas que se deva ter atenções para com todos ou não procurar comprazer a ninguém, a ninguém obedecer, nem a um general nem a não importa que magistrado?

- Por Zeus! Há de obedecer.

- Pois bem – disse Sócrates -,sem dúvida quererás agradar teu vizinho para que, em caso de necessidade, te acenda o fogo, te faça bons ofícios, em caso de acidente, acuda de bom grado em teu socorro?

- É claro.
- Será indiferente temos por amigos ou inimigos um companheiro de viagem, de navegação ou qualquer que seja? Ou acha que nos devamos dar ao trabalho de ganhar-lhe as graças?

- Claro que sim.
- Como! Estás prontos a ter atenção para com todos esses estranhos e não acreditas devê-las à tua mãe, que te quer mais que a ninguém! Ignoras que o Estado faz vista grossa a todas as outras ingratidões, não as persegue e deixa impunes os obrigados mal-agradecidos, porém castiga aquele que não respeita os pais, o degrada e exclui das magistraturas, convencido de que semelhante indivíduo jamais seria capaz de oferecer com santidade os sacrifícios públicos nem a praticar boa e honrada ação? E, por Júpiter!, se um cidadão não honrou o túmulo dos pais mortos, pede-lhes contas o Estado nos inquéritos abertos sobre os futuros magistrados. Se, pois, és prudente, filho meu, temeroso que os deuses te considerem ingrato e te recusem seus favores, rogar-lhe-ás te perdoem as ofensas à tua mãe. Quanto aos homens, cuidará em que, sabedores de tua falta de respeito para com teus pais, não te desprezem todos e te deixem sem amigos. Porque se suspeitassem que foste ingrato com teus pais, quem te creria capaz de reconhecer um favor?"

Este é apenas um dos inúmeros diálogos de Sócrates com outros, que nos põem em profunda reflexão sobre nossas atitudes, pensamentos e, que aos poucos selecionarei mais alguns para compartilhar com quem se interessar e discutir sobre.


3 comentários:

  1. Olá Adriane parabens pelo blog.. :)
    O tema é só de filosofia?

    abraços
    bom fim-de-semana

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  2. Olá R.O,
    Obrigada pelo comentário.
    Não é só filosofia não, muito ao contrário, eu e os outros autores tentaremos interligar assuntos da área de cada um. Estou preparando uma publicação sobre dor, além de outros assuntos de Medicina, assim como em breve serão abordados temas sobre física, direito...e as implicações de cada um no nosso cotidiano.

    Volte sempre!
    Boa semana!

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